De estilo discreto, técnico das campeãs mundiais diz que só dorme tranquilo com vitórias e cuida para que atritos e desgaste não interfiram nos resultados
Reis apenas acompanha Larissa orientar Juliana durante o tempo |
À beira da quadra, olhares atentos e anotações na prancheta. Durante os
intervalos, poucas palavras. O jeito discreto faz com que Reis Castro
passe quase despercebido durante os jogos, seja pouco abordado tanto
pela torcida quanto pela imprensa. Ele não se importa. Ex-jogador,
prefere que o foco esteja sempre voltado para o que acontece durante as
partidas. Prefere que as estrelas sejam sempre as suas atletas.
Treinador de Juliana e Larissa desde a formação da dupla, em 2004, o
cearense vê como seu maior prêmio as comemorações das pupilas e o sono
tranquilo após cada vitória.
- Acho que esse suporte tem que ser bem feito fora da quadra, mas
vê-las brilhando no jogo é o meu respaldo. Eu não deitaria minha cabeça
no travesseiro sossegado vendo-as em quarto, quinto lugar.
Na etapa de Belo Horizonte do Circuito Brasileiro, a dupla campeã
mundial pode atingir a marca de 1.000 triunfos. Todos eles com Reis no
banco ou na arquibancada, já que a presença dos treinadores só foi
permitida recentemente no nacional e ainda é limitada no Circuito
Mundial e nas Olimpíadas. Durante os oito anos de convivência quase
diária, a trajetória de títulos rendeu prêmios e troféus, mas também
desavenças. Atritos que o cearense classifica como normais e que cuida,
junto com a comissão técnica, para que não interfiram no plano
esportivo.
- Passamos mais tempo juntos do que com a família, então somos nós que
temos que orientar. Estamos juntos desde que elas são novinhas,
lapidando desde cedo, mas é um trabalho com seres humanos. Em
determinados momentos, devido a todo esse tempo juntas, surgem as brigas
e o desgaste natural. Mas nós estamos aqui justamente para apagar algum
fogo que possa surgir em determinado momento. Elas não deixam o ego
crescer para cima da comissão técnica. Às vezes deixam para cima dos
adversários, mas isso é normal e faz parte do jogo.
Um certo Francisco amigo dos números
Reis observa o jogo: caneta sempre na pronta para fazer anotações |
Nascido no dia de Reis, 6 de janeiro, o cearense foi batizado como
Francisco, mas desde pequeno nem a família, e menos ainda os que o
conheceram no mundo do vôlei o chamam pelo primeiro nome. Entre os
“segredos” do técnico também estão duas graduações: uma completa em
Educação Física e outra cursada pela metade, em Engenharia Civil.
Gostava muito de cálculo, mas ainda mais de vôlei de praia. A carreira
como jogador terminou de forma triste, com duas graves lesões nos
joelhos.
Primeiro, em 1999, rompeu o ligamento cruzado anterior do lado direito.
Passou por uma cirurgia. Dois anos depois, foi a vez de machucar o
joelho esquerdo. Encarou a nova lesão como um sinal divino para
abandonar o esporte. Passou um ano pensando na vida, fez cursos. Um
convite dos manauaras André e Bruno o fez retornar ao esporte e iniciar a
carreira como treinador.
Os bons resultados com a dupla amazonense chamaram atenção para o
trabalho da comissão técnica. Juliana e Larissa, jogadoras da quadra na
adolescência, haviam se conhecido em um projeto da Confederação
Brasileira de Vôlei (CBV) para desenvolver novos talentos em 2001.
Decidiram jogar juntas, mas uma lesão de Larissa a impediu de disputar o
Mundial Sub-21 de 2002, e outra de Juliana, no ano seguinte, adiou a
estreia da dupla. Neste período, Reis já acompanhava os treinos das
duas, assim como os jogos de Larissa, ao lado da veterana Ana Richa.
Em 2004, primeiro ano da parceria, sobre o comando de Reis, o time
chegou ao vice-campeonato dos circuitos nacional e mundial. No ano
seguinte ganharia pela primeira vez as duas coroas, que conquistaria
seis vezes no total até hoje – Juliana, lesionada, deu lugar a Vivian no
título brasileiro de 2008. Dois ouros em Pan-Americanos, um Mundial e o
bronze nos Jogos de Londres completam a galeria de principais
conquistas coletivas, abrilhantada por outros tantos prêmios
individuais.
Larissa e Reis Castro: técnico nutre profunda admiração pela jogadora (Foto: Paulo Frank) |
Durante as campanhas, porém, Reis se manifesta apenas pontualmente.
Enquanto os outros técnicos distribuem instruções e/ou gesticulam
freneticamente, ele observa. Quase sempre Larissa assume esse papel
durante os tempos técnicos. Ao invés de sentir-se incomodado, ele mostra
admiração pela postura da atleta.
- A Larissa é uma pessoa que conquistou a confiança. Ela dá a
orientação tática certinha. Não vejo o porquê de falar uma coisa que ela
naturalmente vai falar, se ela antecipa a ótica do que está se passando
no momento. Em poucos momentos eu complemento, principalmente quando o
jogo está em cima dela. Quando isso acontece, o sistema superaquece e
ela não consegue ver certas coisas. Nessa hora aparece a minha
importância. Todos os seres humanos têm os seus medos. A Larissa dentro
da quadra também tem os medos dela, e estamos ali para dar uma palavra
de conforto, botar ela para cima quando necessário.
Reis Castro vê Rebecca na ‘linha de sucessão’, mas pede calma
Reis vê Rebecca (dir.) como sucessora de Juliana e Larissa nas conquistas |