terça-feira, 23 de outubro de 2012

'Motor invisível', Reis Castro conduz Juliana e Larissa do 'berço' às glórias

De estilo discreto, técnico das campeãs mundiais diz que só dorme tranquilo com vitórias e cuida para que atritos e desgaste não interfiram nos resultados

Reis apenas acompanha Larissa orientar Juliana durante o tempo

À beira da quadra, olhares atentos e anotações na prancheta. Durante os intervalos, poucas palavras. O jeito discreto faz com que Reis Castro passe quase despercebido durante os jogos, seja pouco abordado tanto pela torcida quanto pela imprensa. Ele não se importa. Ex-jogador, prefere que o foco esteja sempre voltado para o que acontece durante as partidas. Prefere que as estrelas sejam sempre as suas atletas. Treinador de Juliana e Larissa desde a formação da dupla, em 2004, o cearense vê como seu maior prêmio as comemorações das pupilas e o sono tranquilo após cada vitória.

- Acho que esse suporte tem que ser bem feito fora da quadra, mas vê-las brilhando no jogo é o meu respaldo. Eu não deitaria minha cabeça no travesseiro sossegado vendo-as em quarto, quinto lugar.

Na etapa de Belo Horizonte do Circuito Brasileiro, a dupla campeã mundial pode atingir a marca de 1.000 triunfos. Todos eles com Reis no banco ou na arquibancada, já que a presença dos treinadores só foi permitida recentemente no nacional e ainda é limitada no Circuito Mundial e nas Olimpíadas. Durante os oito anos de convivência quase diária, a trajetória de títulos rendeu prêmios e troféus, mas também desavenças. Atritos que o cearense classifica como normais e que cuida, junto com a comissão técnica, para que não interfiram no plano esportivo.

- Passamos mais tempo juntos do que com a família, então somos nós que temos que orientar. Estamos juntos desde que elas são novinhas, lapidando desde cedo, mas é um trabalho com seres humanos. Em determinados momentos, devido a todo esse tempo juntas, surgem as brigas e o desgaste natural. Mas nós estamos aqui justamente para apagar algum fogo que possa surgir em determinado momento. Elas não deixam o ego crescer para cima da comissão técnica. Às vezes deixam para cima dos adversários, mas isso é normal e faz parte do jogo.

Um certo Francisco amigo dos números

Reis observa o jogo: caneta sempre na pronta para
fazer anotações

 Nascido no dia de Reis, 6 de janeiro, o cearense foi batizado como Francisco, mas desde pequeno nem a família, e menos ainda os que o conheceram no mundo do vôlei o chamam pelo primeiro nome. Entre os “segredos” do técnico também estão duas graduações: uma completa em Educação Física e outra cursada pela metade, em Engenharia Civil. Gostava muito de cálculo, mas ainda mais de vôlei de praia. A carreira como jogador terminou de forma triste, com duas graves lesões nos joelhos.

Primeiro, em 1999, rompeu o ligamento cruzado anterior do lado direito. Passou por uma cirurgia. Dois anos depois, foi a vez de machucar o joelho esquerdo. Encarou a nova lesão como um sinal divino para abandonar o esporte. Passou um ano pensando na vida, fez cursos. Um convite dos manauaras André e Bruno o fez retornar ao esporte e iniciar a carreira como treinador.

Os bons resultados com a dupla amazonense chamaram atenção para o trabalho da comissão técnica. Juliana e Larissa, jogadoras da quadra na adolescência, haviam se conhecido em um projeto da Confederação Brasileira de Vôlei (CBV) para desenvolver novos talentos em 2001. Decidiram jogar juntas, mas uma lesão de Larissa a impediu de disputar o Mundial Sub-21 de 2002, e outra de Juliana, no ano seguinte, adiou a estreia da dupla. Neste período, Reis já acompanhava os treinos das duas, assim como os jogos de Larissa, ao lado da veterana Ana Richa.

Em 2004, primeiro ano da parceria, sobre o comando de Reis, o time chegou ao vice-campeonato dos circuitos nacional e mundial. No ano seguinte ganharia pela primeira vez as duas coroas, que conquistaria seis vezes no total até hoje – Juliana, lesionada, deu lugar a Vivian no título brasileiro de 2008. Dois ouros em Pan-Americanos, um Mundial e o bronze nos Jogos de Londres completam a galeria de principais conquistas coletivas, abrilhantada por outros tantos prêmios individuais.

Larissa e Reis Castro: técnico nutre profunda admiração pela jogadora (Foto: Paulo Frank)

Durante as campanhas, porém, Reis se manifesta apenas pontualmente. Enquanto os outros técnicos distribuem instruções e/ou gesticulam freneticamente, ele observa. Quase sempre Larissa assume esse papel durante os tempos técnicos. Ao invés de sentir-se incomodado, ele mostra admiração pela postura da atleta.

- A Larissa é uma pessoa que conquistou a confiança. Ela dá a orientação tática certinha. Não vejo o porquê de falar uma coisa que ela naturalmente vai falar, se ela antecipa a ótica do que está se passando no momento. Em poucos momentos eu complemento, principalmente quando o jogo está em cima dela. Quando isso acontece, o sistema superaquece e ela não consegue ver certas coisas. Nessa hora aparece a minha importância. Todos os seres humanos têm os seus medos. A Larissa dentro da quadra também tem os medos dela, e estamos ali para dar uma palavra de conforto, botar ela para cima quando necessário.

Reis Castro vê Rebecca na ‘linha de sucessão’, mas pede calma

Reis vê Rebecca (dir.) como sucessora de Juliana
e Larissa nas conquistas

Reis, em teoria, trabalha com Juliana e Larissa em regime de exclusividade. Mas há alguns anos pediu às campeãs mundiais para desenvolver, no centro de treinamento da dupla, em Fortaleza, um projeto para revelar novos talentos. Achou que a distância entre elas e Talita/Maria Elisa era grande em relação à nova geração e que precisava agir. Pinçou jovens altas em colégios e escolinhas de vôlei e encontrou Rebecca, que se tornou revelação do Circuito Brasileiro em 2011 e vice-campeã mundial sub-21 nesta temporada.

Na jogadora de apenas 19 anos, atual parceira de Lili, ele vê o potencial para assumir o posto de principal nome do país no esporte em alguns anos. Mas pede paciência à atleta para não queimar etapas e transformar um sonho em frustração.

- Temos outras atletas boas, mas acho que acho que ainda não é o momento certo de muitas delas competirem. Desde o primeiro momento em que a Rebecca entrou no CT percebemos que queria dar passos mais largos do que pode, e isso não é interessante porque ela é muito nova. Ela vai ser uma campeã. É natural ela herdar isso, assim como Larissa e Juliana herdaram o posto da (Adriana) Behar e da Shelda. Mas a vida de um campeão não é fácil, e com 26 anos ela vai estar saturada. Acho que segurar seria mais interessante. Acho que não é o momento dela chegar com tanta força como está querendo fazer.
 

 *Por Helena Rebello/Sportv/Fotos: Mauricio Kaye