sábado, 1 de dezembro de 2012

Alívio, boas lembranças e críticas: 4ª em Pequim, Renata dá adeus à praia

vôlei de praia Renata (Foto: Helena Rebello/Globoesporte.com)
Elize Maia e Renata desenham jogadas na areia
(Foto: Helena Rebello/Globoesporte.com
O sorriso fácil de Renata Trevisan em breve só será visto na praia em momentos de lazer. Quarta colocada nos Jogos de Pequim ao lado de Talita, a carioca repensou trajetória e planos e, após um ano de “intenso conflito interno”, decidiu parar de jogar o vôlei das areias. Dividida entre a necessidade de viajar pelo mundo para cumprir o calendário da modalidade e a vontade de acompanhar de perto o crescimento do filho Felipe, agora com pouco mais de dois anos, a defensora fará suas últimas partidas como profissional em casa, no Rio de Janeiro. A partir desta sexta-feira, o esforço final em quadra será para prolongar a carreira em apenas mais uma semana. No Nacional, Renata buscará a classificação para o Open para dar adeus de volta à elite, que competirá de 7 a 9 de dezembro na Praia de Copacabana.

Em entrevista ao SporTV.com, Renata relembrou alguns episódios marcantes de sua carreira e reverenciou Adriana Behar e Shelda, além de ex-parceiras e treinadores. Não poupou, no entanto, críticas à Confederação Brasileira de Vôlei (CBV), que recusou seu pedido de um wild card (convite) para que a despedida fosse confirmada para o principal Circuito organizado pela entidade no país.

Renata e Val medalha 2009 arquivo vôlei de praia (Foto: Divulgação / CBV)
Renata e Val em 2009: dupla foi prata no Grand
Slam de Moscou (Foto: Divulgação / CBV)
- Vejo minha carreira como vitoriosa. Batalhei muito e não tive nada fácil. Corri muito atrás, investi dinheiro, contei com “mãe e paitrocínio” para conseguir as coisas e dou muito valor a isso. Eu vivi para o vôlei e fiz tudo por ele. (...) Hoje eu saio triste porque acho que o vôlei de praia está regredindo. Acho que o que foi conquistado na época de Adriana Behar e Shelda parece estar regredindo. Não acho que está fazendo bem para o vôlei. Acho que há falta de reconhecimento da CBV, não só comigo, mas com vários atletas. Realmente fico chateada com a forma como eles tratam atletas que representaram o Brasil, sem qualquer consideração - disse Renata, que completa 31 anos no dia 7 de dezembro.

Abaixo, confira a entrevista na íntegra.
vôlei de praia Renata (Foto: Helena Rebello/Globoesporte.com)
O sorriso fácil de Renata: quarta colocada em Pequim se despede do vôlei (Foto: Helena Rebello/Globo.com)
GLOBOESPORTE.COM: No início deste ano você ainda sonhava com os Jogos de 2016. Quando decidiu parar?
Renata: Eu tinha objetivos maiores e queria jogar até 2016, mas o fato de ter que viajar todo o Circuito Mundial de novo me deixava triste ao pensar no meu filho. Ter que viajar, ficar de dois a três meses fora, me deixava triste. Esse foi um ano de conflito interno muito grande. Minha lesão no ombro direito (tendinite) estava séria e, conversando com o meu coach sobre o que poderia me fazer feliz, e vi que não era mais jogar vôlei. Quando eu consegui assumir isso para mim, porque era difícil, parece que as coisas melhoraram. Meu ombro melhorou, parece que tirei uma pressão que estava em cima de mim.
Talita, técnico Abel, Renata Vôlei de Praia 2008 (Foto: Divulgação/CBV)
Talita e Renata brincam com o técnico Abel, que as
comandou em Pequim (Foto: Divulgação/CBV)
Já pensou o que vai fazer daqui em diante?
Não tenho planos ainda. Jogar e treinar são as únicas coisas que tenho certeza que não quero fazer. Devo terminar a faculdade de Fisioterapia, pois só falta agora cumprir o período de estágio. Quero ter um diploma, mas não sei se quero atuar na área. Ainda estou pensando. Gosto muito da parte de administração, então talvez eu faça algum curso para gerar oportunidades nesta área. Meu marido está ampliando a empresa dele e quer que eu vá trabalhar junto. Não sei se é isso que quero para minha vida, mas pelo menos não vou ficar parada. Estou aberta a propostas.

Fazendo uma análise da sua carreira, qual considera seu melhor ano?

Foi 2008, sem dúvidas. Disputar as Olimpíadas é o ápice para qualquer atleta, e eu consegui. Vejo minha carreira como vitoriosa. Batalhei muito e não tive nada fácil. Corri muito atrás, investi dinheiro, contei com “mãe e paitrocínio” para conseguir as coisas e dou muito valor a isso. Eu vivi para o vôlei e fiz tudo por ele. Eu fiz ioga para melhorar o vôlei , qualquer coisa para melhorar meu vôlei. A partir do momento em que eu tive que me dividir, comecei a repensar. Eu passei a sentir que eu não estava me dedicando mais 100% e, por isso, não conseguia mais ficar feliz.

Você e a Talita se classificaram para Pequim como segunda dupla e, com toda expectativa pela recuperação ou não da Juliana, ficaram ainda mais em segundo plano. Em algum momento isso incomodou?
Tudo isso que aconteceu com a Juliana foi ótimo para mim e para a Talita, porque a imprensa ficou toda nela e na Larissa para saber se ela estava bem. Elas tinham ganho tudo, eram o time número 1, então a pressão estava com elas. Quando a Ana Paula chegou (para substituir Juliana), o foco continuou com elas. Achamos ótimo. Quando elas foram eliminadas o foco voltou para a gente, mas já tínhamos superado a parte mais difícil, estávamos amadurecidas no torneio. Éramos quintas do ranking e já tínhamos cumprido o nosso papel. Chegando nas semifinais, estávamos acima da nossa posição no ranking. Estávamos bem tranquilas. Quando a pressão passou para a gente, já estávamos preparadas.

Qual foi a derrota mais dolorida, a da semifinal ou da disputa de terceiro lugar?
Nas semifinais perdemos para Walsh e May, de quem nunca tínhamos vencido. Na época elas eram imbatíveis, e só Juliana e Larissa, poucas vezes, haviam vencido. O mais doído foi o terceiro lugar. A dupla era difícil (as chinesas Chue e Zhang Xi), mas cada dupla tinha ganho cinco confrontos até então. Sabíamos que tínhamos condições de ganhar, e foi por isso que doeu mais.
vôlei de praia Renata e Talita (Foto: Divulgação/CBV)
Da alegria pela classificação às semis à decepção pela perda do bronze em Pequim (Foto: Divulgação/CBV)
No final de 2008, quando você e a Talita encerraram a parceria, ela ficou com a comissão técnica. Como foi esse episódio?
Foi difícil porque já estava com o Abel (técnico Abel Martins) há seis anos (quatro com Talita e dois com Shaylyn). É um cara que eu adoro, mas acontece. Ele ficou com a Talita, que formaria um time bom com a Maria Elisa. Tanto que foram para mais uma edição das Olimpíadas. Mas no final foi bom para mim. Eu estava há seis anos com o mesmo técnico, e ter treinado com outro, que foi o Pompilho (Mercadante, atual técnico de Val e Taiana), foi essencial para o meu crescimento. Foi muito importante ver o vôlei através de outra pessoa.

Quando você se sentiu de fato como referência para a dupla em termos de experiência?

Depois das Olimpíadas. A partir de então eu tinha esse conhecimento a passar. Eu fui jogar com a Val e sentia que ela esperava isso de mim, que eu a comandasse dentro do jogo e passasse tudo para ela. Engraçado que foi com ela que eu mais aprendi. Ela é quem eu mais admiro no vôlei de praia e é minha amigona hoje em dia. Ter treinado com ela e o Pompilho foi o meu maior crescimento. Na hora fiquei chateada por perder a comissão que eu amava, uma parceria vitoriosa, mas foi bom depois.
Tem algo que você faria de diferente ou de que se arrependa em sua trajetória?
Não mudaria nada. Sempre fui honesta com as minhas parceiras. Tenho certeza de que todas falariam isso de mim. Sou amiga de todas as parceiras que eu tive, talvez mais agora do que quando jogávamos juntas. A relação que temos nessa experiência é o que fica. Hoje sou amiga da Talita, da Val...

Você se considera querida pelos colegas de profissão?

Acho que sim. Sempre fui muito correta nas minhas atitudes, e acho que as pessoas me admiram por isso. Sempre fui honesta. Mas acho melhor perguntar para os outros. Vejo pelo carinho das pessoas quando parei de jogar para ter meu filho, quando voltei e agora também. Esse é o maior reconhecimento.

Qual a melhor dupla que você já enfrentou?

Tecnicamente, indiscutivelmente foram Adriana Behar e Shelda. A Behar é baixa e jogava tão bem quanto a Walsh com 1,90m. Tecnicamente é uma dupla perfeita e que lutou muito por tudo o que conquistou. Elas sempre defenderam os direitos dos atletas e bateram de frente com gente grande por isso. Lembro da primeira vez que ganhei delas. Eu já tinha vencido outras duplas importantes, mas meu pai me cobrava que nunca tinha as tinha vencido. Já no final de 2005, eu e a Talita ganhamos delas numa final (do Open de Bali, na Indonésia, em setembro). Na mesma hora liguei para o meu pai e ele falou “Até que enfim, hein?!”.

O que você levar de melhor do vôlei de praia?
Ter conhecido o mundo através do esporte, fazendo o que eu mais amava. Ter ido para as Olimpíadas foi a melhor coisa da minha vida até então, e só foi superada depois pelo nascimento do meu filho. Além dos amigos que conheci e vou levar para o resto da minha vida.
E do que você menos gosta no esporte?
Posso falar? Hoje eu saio triste porque acho que o vôlei de praia está regredindo. Acho que o que foi conquistado na época de Adriana Behar e Shelda, do ranking feminino ser igual ao do masculino (hoje há 16 times no masculino e 12 no feminino nos Opens), aumento de premiação, tudo isso parece estar regredindo. Não acho que esteja fazendo bem para o vôlei. Acho que há falta de reconhecimento da CBV, não só comigo, mas com vários atletas. Realmente fico chateada com a forma como eles tratam atletas que representaram o país, sem qualquer consideração hoje.

Você se refere ao fato de não ter recebido um wild card para o Open do Rio de Janeiro? (Renata disputará o Nacional, que classifica os finalistas para o Open)
Não foi só isso. Tem muito mais coisa por trás. Fiquei triste por não ter ganho o wild card, como acho que eles deveriam ter dado para a Carol (Solberg) quando ela voltou da gravidez, para o Bernardo e para o Léo, que venceram em Curitiba. A falta de critério deixa as pessoas à mercê deles. Se você não faz o que eles querem... Não tem nenhuma conversa com a CBV. Fico realmente chateada com a falta de reconhecimento da minha confederação, das pessoas que me comandam e fazem o campeonato. Eu estou no Rio de Janeiro, na minha casa, e não ganho um wild card na minha última etapa. É chato.

De que você vai mais sentir falta?
De competir. Gosto de brigar por alguma coisa, de ter um objetivo e fazer de tudo para alcançar. Mas não sei se vou sentir falta mesmo. Depois que eu tive filho, minha vida mudou. É como se eu estivesse vivendo outra vida. Estar com ele hoje, não perder nenhuma festa na creche dele é o que vale para mim.

E se ele quiser jogar vôlei?
Vai ter o meu apoio. Ele adora vôlei e, quando vê na televisão, fala: “Estão jogando igual mamãe”. Vou incentivar o esporte de modo geral. Ele já faz natação, capoeira e judô na creche. Não vou forçar nada mas, se ele quiser jogar vôlei, vai ter meu total apoio.
Renata Trevisan volei de praia com a família (Foto: Arquivo Pessoal)Renata com o filho Felipe e o marido Alexandre: família fez o vôlei perder espaço (Foto: Arquivo Pessoal)