domingo, 16 de dezembro de 2012

Iluminada, capixaba Lili projeta título Brasileiro e das Olimpíadas de 2016

Curtindo sua rápida ascensão ao lado de Rebecca, jogadora conta histórias de superação que devem dar origem a um livro escrito pela mãe, Valéria

Na casa dos pais, em Vitória, Lili exibe o troféu conquistado no Rio de Janeiro ao lado da cearense Rebecca, o primeiro de sua carreira no Circuito Brasileiro (Foto: Bruno Marques/Globoesporte.com)
Pregada atrás da porta de seu antigo quarto em Vitória, na casa de seus pais, a lista de metas de Lili para a carreira no vôlei de praia agora lhe impõe uma "obrigação" a menos. O risco feito à caneta sobre a frase "Campeã de uma etapa do Circuito Brasileiro" simboliza o título conquistado no último domingo, no Rio de Janeiro, ao lado da cearense Rebecca. Mas não só isso. Representa também um traço da própria personalidade da capixaba, de 25 anos: o de alguém extremamente obstinado, que coleciona histórias de superação e não medirá esforços para realizar seus sonhos, um a um.

Nessa espécie de currículo improvisado, Lili já exibe os títulos brasileiro e mundial, ambos na categoria sub-21, as participações nos dois circuitos adultos e, agora, a conquista de uma etapa do Brasileiro. Os próximos alvos são ousados: vencer o Circuito Brasileiro, obter uma vitória e posteriormente o título no Circuito Mundial e, no topo de sua ambição, o título olímpico.

Uma caminhada longa, mas cujo próximo passo pode ser dado em quatro meses. Com o fim da parceria entre Juliana e Larissa - a rigor, ainda líderes do Circuito Brasileiro -, Lili e Rebecca passam a ser a dupla mais bem colocada em atividade. Restando quatro etapas que serão disputadas entre janeiro e abril, a possibilidade de título é concreta. Algo um tanto precoce, se for considerado que o primeiro treino entre a capixaba e a cearense foi há pouco mais de três meses e que os grandes objetivos só deveriam ser atingidos em médio e longo prazos.

- Nós já nos juntamos pensando no Rio 2016. Com Ângela (parceira por um ano e meio) eu era cabeça de chave (no Brasileiro), mas para 2016 era preciso jogar com uma pessoa mais nova (Ângela tem 31 anos e Rebecca, 19). A CBV sugeriu a dupla. E achamos a ideia boa. Rebecca não tinha ponto. Caímos para o pé do ranking (entre as duplas com vaga direta nas etapas). Colocamos como objetivo fechar 2012 como cabeças de chave. Já era uma meta alta. Mas nosso desempenho foi incrível. Crescemos rápido. Então, a meta mudou. Queremos esse título brasileiro. Com a separação de Juliana e Larissa, passamos a ser a dupla a ser batida na classificação. E precisamos de quatro etapas boas - comenta Lili.

Em seis etapas, foram um título, um vice, um terceiro lugar, dois quartos e um quinto. De quebra, Lili e Rebecca ainda venceram uma etapa do Circuito Sul-Americano, em 25 de novembro, na Argentina. A rápida evolução e, sobretudo, os resultados não foram à toa. A dupla abriu mão de qualquer folga para apressar seu entrosamento. Dentro e fora da quadra.

- Quando voltei do Mundial (etapa da Finlândia, em 2 de setembro), todo mundo tirou folga por uma semana. Fui treinar com Rebecca em Saquarema, pela primeira vez. Na semana seguinte estreamos (com um 4º lugar, em Cuiabá). A cada jogo buscamos corrigir erros. Para mim, treino é jogo. Não dá para se poupar. Gosto da pressão, da responsabilidade de ser a mais velha da dupla. Falo mais que Rebecca, em geral. Sei das dificuldades físicas dela (de perder peso), por exemplo. As cobranças são fortes, mas busco passar confiança. Por falta de autoestima perde-se jogo. É preciso tempo para se conhecer. Mas já temos um entrosamento bom.

Na conquista da etapa carioca, o bônus foi terem superado Juliana e Larissa, na semifinal, para quem haviam perdido seguidamente nas etapas anteriores.


Lili e Rebecca (esq.) no topo do pódio da etapa carioca (Foto: Helena Rebello)
- Bater Juliana e Larissa foi excepcional. São ídolos de todo o Brasil. Contra elas, é preciso jogar o máximo. Dava para ver a nossa vibração, nossa alegria em quadra. Nós fomos evoluindo ao longo das etapas. Dessa vez estávamos mais preparadas - diz Lili.

Admiração pelas rivais à parte, a possibilidade de um "time capixaba" ao lado de Larissa, que nasceu em Cachoeiro de Itapemirim, no sul do Espírito Santo, e de quem Lili é muito próxima, está completamente descartada, segundo Lili.

- Larissa já tinha manifestado vontade de parar. É muito tempo de pressão. Ela quer ter uma vida nova, agora, de empresária. Espero que seja feliz. Estou aqui para fazer uma história igual. É difícil, mas quero ouvir o hino brasileiro como ela. Larissa é muito experiente, um ídolo. Sempre conversa muito comigo e também com a Rebecca e passa experiência. Larissa é a melhor jogadora do mundo, para mim. Mas ela escolheu outro caminho, não sabe se voltará a jogar em 2015. Acho que não irá. Ela quer ser mãe. Larissa e Juliana têm uma história feita. E farei a minha com Rebecca.

Valéria tem registros de toda a carreira da filha
(Foto: Bruno Marques/Globoesporte.com)
Mãe quer lançar livro sobre Lili

Desde o começo da nova parceria Lili praticamente não folgou. Rever o pai, Álvaro, a mãe, Valéria, e o irmão, Alvinho, em Vitória, tornou-se um desafio. A base de treinos, sob comando do técnico Elmer Calvis, é em Fortaleza (CE). Após a etapa carioca, a jogadora ainda teve compromissos com seu patrocinador e precisou se apresentar à seleção brasileira de vôlei de praia, que terá seu primeiro período de treinos na segunda quinzena de janeiro.

Sobraram apenas três dias na agenda para ficar "em casa", onde seu cantinho permanece intocado. No velho quarto, um belo painel de fotos e sua galeria particular de medalhas e troféus ofuscam um violão desafinado, que Lili promete levar em breve para Fortaleza, para tocar de Guns N' Roses a Marisa Monte. Tudo cuidado com carinho pela mãe Valéria. Na hora da mesa, os mimos maternos continuam, por exemplo, na forma de um sublime rocambole. Zelo de quem sente saudades e admiração pela própria filha. A ponto de querer reunir num livro suas melhores histórias.

- Lili tem uma trajetória muito bacana. Além de mãe, sou amiga dela. Ela superou muita coisa no vôlei. Desde pequena ela tinha esse espírito, essa força. Tem passagens realmente incríveis, emocionantes, que eu gostaria de deixar registrado - afirma Valéria.
Lili "ataca" o rocambole feito pela mãe, Valéria (Foto: Bruno Marques/Globoesporte.com)


"Iluminada" pelo avô falecido

Algumas dessas histórias, bastante especiais, evidenciam uma força de vontade incomum. E também a espiritualidade de Lili. A maior delas, talvez, foi no Mundial Sub-21, disputado ao lado de Bárbara Seixas, em 2007, na Itália. Na ocasião, Lili sofria com uma grave lesão nas costas, a qual não revelou a ninguém para poder ir à competição. Ao acordar, a capixaba levava alguns minutos para simplesmente ficar ereta. A cada bola em que era preciso se curvar, a dor era insuportável.

- Para piorar, na semifinal, quebrei o dedo. Na primeira bola, gritei de dor. Pensei: "É mais uma para superar". Fomos à final. Na decisão, um tie-break. Eu, morta. No intervalo, fechei o olho e vi meu avô (Nilton, falecido meses antes). Senti uma mão nas minhas costas. Achei que era a Bárbara. Mas não era. Pensei: "Obrigada, vô!" A partir dali, não senti mais nada e vencemos o jogo. Foi impressionante. Meu avô foi o nosso terceiro jogador. Quando acabou, a dor voltou na hora. Alguns achavam que eu nem voltaria a jogar. Meu médico me deu seis meses de recuperação. Mas fiz fisioterapia, piscina e pilates o dia inteiro. Em três meses, voltei ao médico. Ele disse que eu era louca, mas quando viu os exames falou que era um milagre. Fez tese sobre mim até. Na semana seguinte, fui vice-campeã num Challenger - conta.
 
Sempre acho que posso mais. Isso para mim não é só uma teoria"
Lili, jogadora de vôlei de praia
Há várias outros episódios de superação. O mais recente tem uma semana. No começo da etapa do  Rio, que terminaria com o alto do pódio, Lili sofria com cãimbras e tomava soro.

- Enfrentaríamos Ágatha e Bárbara Seixas (parceira de Lili no Mundial Sub-21 de 2007), valendo vaga na semifinal. Bárbara até brincou comigo que não queria vencer o jogo com abandono. Falei: "Você me conhece". Ganhamos. Depois vencemos Juliana e Larissa e também a final (contra Maria Clara e Carol). Apesar das cãimbras, foi uma etapa em que jogamos muito bem. Sempre acho que posso mais. Isso para mim não é só uma teoria. Para ganhar de mim, tem que jogar. Sempre respeito as adversárias e sempre jogo o meu melhor, mesmo que o adversário pareça mais fraco. Sentir pena é que é desrespeito - defende.
 
Amostra olímpica "contra" Mick Jagger

Lili exibe medalha conquistada no evento-teste para Londres 2012 (Foto: Bruno Marques)
O sonho de vencer uma Olimpíada é notório. E pelo menos um gostinho do clima olímpico Lili já sentiu. Em 2011, ao lado de Ângela, a capixaba venceu o evento-teste para Londres 2012. Não sem colecionar mais alguns "causos" daqueles.

- Tenho a mania de imaginar como darei um passe, como sacarei... E de tanto pensar, na véspera da final (contra as americanas Kessy e Ross), sonhei que eu dava um "toco" (bloqueio) e a gente ganhava. Contei para o meu pai, ele riu. No tie-break (com 14/13 a favor), enquanto eu corria para a rede, lembrei do sonho. Saltei e pus minha mão fechando a diagonal. Bloqueei. Essa competição teve um sabor especial. 

Eu e Angela nos sentimos numa Olimpíada mesmo. Os ingleses torceram por nós. Até Mick Jagger foi entrevistado antes da final e disse que torceria por nós. Vencemos até o pé-frio dele (risos). Na minha cabeça não tem lugar para pensamento negativo, de azar. Só penso coisas boas. O Brasil tem um circuito muito forte. Não será fácil estar entra as duas melhores duplas e ir ao Rio 2016. Mas acredito muito no nosso trabalho. O Deus que está em mim é forte.

*Globoesporte.com/Bruno Marques