Em entrevista exclusiva ao LANCENET!, presidente da CBV defende continuísmo e fala sobre a Superliga, polêmicas...
Daniel Bortoletto
Luiz Paulo Montes
Publicada em 11/05/2011 às 07:00
Rio de Janeiro (RJ)
Em 1995, Ary Graça Filho foi eleito para comandar a Confederação Brasileira de Vôlei (CBV), até então presidida por Carlos Arthur Nuzman. Cerca de um ano e meio depois, enfim, assumiu o cargo com a ciência de que teria muito trabalho a fazer.Luiz Paulo Montes
Publicada em 11/05/2011 às 07:00
Rio de Janeiro (RJ)
À época, o Brasil não tinha nenhum título mundial no vôlei de quadra, e astros como Giba, Ricardinho, Murilo e Escadinha ainda iniciavam a carreira... Faz tempo, não? Já são 14 anos de Ary no comando da principal entidade do esporte que, durante esta gestão, tornou-se o segundo maior do país por causa de todos os títulos.
A longevidade, no entanto, não o preocupa. E Ary Graça pretende continuar por mais algum tempo no cargo. Mesmo cheio de trabalho a fazer, ele atendeu a reportagem do LANCENET! na sede da entidade, em um luxuoso prédio na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. Durante uma hora e meia, o presidente mostrou bom humor e não se esquivou de nenhuma resposta. Mas não deixou também de exaltar, claro, a sua gestão.
Confira os principais trechos desta entrevista exclusiva:
Qual é o balanço que você faz das duas Superligas, masculina e feminina, que acabaram no mês passado?
Foi uma competição maravilhosa, tanto a disputa masculina quanto a feminina. A cada ano, estamos evoluindo. Estamos crescendo em uma progressão geométrica. Atingimos um excelente patamar e não tem como regredir. Estamos em um crescimento sustentável. Foram excelentes competições em todos os quesitos: técnicos e táticos.
No caso da Superliga feminina, vê como prejudicial para o vôlei termos sete finais consecutivas entre Unilever e Osasco?
Isso faz parte do esporte. São dois times com excelentes investidores, bons técnicos e equipes de qualidade. Esses confrontos em decisões são bons porque criam uma rivalidade boa para o vôlei.
No masculino, a final mais uma vez foi diferente. Acredita que faltam mais equipes de qualidade entre as mulheres?
A Superliga Feminina está subindo degrau a degrau a cada ano. No Brasil, temos um número menor de praticantes mulheres, como na maioria dos países.
A repercussão do caso de homofobia contra o central Michael lhe surpreendeu?
Não. É uma repercussão normal. Vivo no meio do esporte há mais de cinquenta anos e nunca tive nenhum preconceito contra qualquer tipo de diferença.
Quando você assumiu o cargo, em 1997, esperava tanto sucesso?
Eu substitui um mito (Nuzman), que transformou o vôlei. Eu não imaginava que poderia decuplicar o que já havia sido feito. Todas as nossas Seleções são campeãs mundiais. Não há mais títulos para nós conquistarmos. Elogiava-se tanto o vôlei italiano, mas isso nem eles conseguiram. E com um orçamento bem maior do que o nosso (cerca de R$ 100 milhões contra R$ 20 milhões da Confederação Brasileira).
Você está há 14 anos na presidência da CBV. O que pensa sobre a longevidade em um cargo importante, como é o seu?
Quando vocês (imprensa) dizem que não se pode ter mais de dois mandatos, isso é balela. É um absurdo. Na Europa, ninguém está preocupado com o tempo na função, e sim com o homem. Se não estiver trabalhando direito, é mandado embora. Se você corresponde, continua no emprego. Tem que mexer em quem não é competente.
Então você é a favor do continuísmo...
Por que os dirigentes que estão há 20 anos nos cargos são os criticados? Ninguém quer ser presidente de confederação que não tem dinheiro, é claro. Das 28 confederações de esportes olímpicos, 20 sofreram mudanças já. O mercado determinou isso. Agora há dinheiro, então as pessoas têm ambição de pegar esse dinheiro. Não para eles, mas para ter condição de fazer alguma coisa com o esporte brasileiro. É a lei de mercado: há dinheiro, a Olimpíada-2016 atrai patrocinadores... é assim que funciona.
Você, então, não pretende sair tão logo da Confederação?
O meu trabalho tem dado certo. Está dando resultado, temos conquistado títulos. Quem me substituir terá uma situação difícil. Eu ganhei tudo, então ele também vai ter de ganhar. Mas não tem mais o que fazer. Então, por que tirar? Quem vai tirar é Deus ou o mercado. A hora em que eu começar a perder, e as coisas não estiverem funcionando corretamente, eu cometer algum deslize ou estiver de saco cheio daqui, eu vou sair.
Você alguma vez já pensou em deixar a presidência da CBV?
Eu já me cansei várias vezes, do tipo de dizer "chega, não quero mais, não aguento mais injustiça". Mas, na hora em que tomo essa decisão, ganhamos um campeonato. O pessoal vem e diz que eu estou maluco de querer sair. Olho no espelho e penso que o trabalho está dando certo. Isso motiva a seguir.
Acredita que jogadores de sucesso, quando param de jogar, podem se tornar bons dirigentes?
O cara que é acostumado a ganhar R$ 70 mil por mês quando jogador não consegue entender que tem de vir para cá e começar por baixo. Aprender o que é estrutura, ter intelectualidade, o estudo que a vida não lhe proporcionou por causa da carreira. Tento convencê-los de que dinheiro eles já têm. Convenci Nalbert, Emanuel e Giba. Eles já estão se preparando psicologicamente para saber que durante um tempo não vão ganhar dinheiro quase. Vão ganhar uns R$ 5 mil. É um baita salário, mas 90% dos jogadores não jogam por este salário.
Recentemente, a CBV anunciou que, para a próxima temporada, os times masculinos só poderão ter um estrangeiro – nesta temporada o limite eram dois. Qual o motivo desta redução?
Precisamos fortalecer ainda mais o mercado do vôlei nacional. Temos 184 campeões olímpicos e mundiais em ação. Nenhum outro país do mundo tem isso. Precisamos dar as melhores condições para os nossos atletas. Mas não vou ser radical e dizer que sou contra estrangeiro aqui. Existe um lado mercadológico de tê-los. É um charme, por exemplo, ter americanas vice-campeãs olímpicas aqui. Mas, no Brasil, só os bons. Trazer estrangeiro ruim para tomar dinheiro de brasileiro, eu não aceito.
Bernardinho e José Roberto Guimarães, técnicos da Seleção masculina e feminina, não se falam. Como você lida com essa relação entre os dois?
Aqui dentro da CBV, é o seguinte: cada um deles tem de desempenhar a sua função. E eles têm tido um sucesso extraordinário nesse quesito. Interferir no sentimento de cada um não é problema meu. O meu problema vai ser se brigarem dentro de Saquarema. Aí, é indisciplina e não vou permitir. Mas eles são educados e não farão isso.
Já houve alguma polêmica na qual você teve de interferir como presidente da Confederação?
Em 2002, tínhamos o Mundial feminino na Alemanha. As meninas me procuraram e disseram que não queriam mais jogar com o Marco Aurélio (Motta, treinador na época). Eu disse: "Tudo bem; ele fica, vocês vão embora". E foram. Joguei com o time juvenil, que são as meninas que foram campeãs olímpicas. Quem é jogador para decidir o que eu tenho de fazer ou não?
No Mundial masculino, no ano passado, houve a polêmica da derrota para a Bulgária. Qual foi a sua opinião naquele caso?
A decisão foi tomada pelos jogadores. Posso dizer tranquilamente que não tenho nada com isso. Mas, como líder, não podia me isentar. Tinha um problema imediato para resolver, que era ganhar o Mundial. Não era hora de discutir o assunto. Mas deixei claro que na reapresentação do time nós conversaríamos. Quem quer ganhar Olimpíada ou Mundial tem de ganhar de todos.
E o que achou do presidente da Federação Internacional (Jizhong Wei) ter dito que não é interessante o Brasil ganhar tudo?
Foi uma frase infeliz dele. Essa história da FIVB contra a gente acabou ali. Deu margem a uma reunião na sede da entidade e eu deixei claro: "O Brasil, então, não vai mais aos torneios e vocês arrumam outro time para ser campeão." Eles pediram desculpa formalmente e encerramos o assunto. Não se pode mais montar tabela para nos prejudicar, como foi feito no Mundial da Itália. Ganha quem botar mais a bola no chão do time adversário.
Essa desculpa da FIVB só ocorreu pois você tem influência (é vice-presidente da entidade)?
Se não estiver enfiado ali no meio, certamente será prejudicado. Tem de fazer parte do comitê executivo, que são só 11 homens e mais duas mulheres. Cada um vota conforme o seu interesse, claro. Quem me substituir, não chegará à FIVB antes de dois mandatos. Não vão deixar. Os interesses políticos são muito grandes lá dentro.
Para a Federação Internacional, então, não é interessante não ter o Brasil em competição...
As Seleções Brasileiras são as grandes vedetes. Torneio sem o Brasil não é interessante para o público. A TV japonesa diz que se o Brasil não jogar eles não transmitem as competições. Não existe grande torneio sem as potências.
Por que a seleção russa não joga o Grand Prix? Não é interessante financeiramente?
Elas não vão por premiação. Foram campeãs mundiais e ganharam um Ipad como prêmio, enquanto nós, que fomos vice, demos R$ 1,8 milhão. Aqui funciona assim: antes da temporada, eu sento e converso com os jogadores e a gente determina a premiação por cada meta. Depois, não se toca mais nesse assunto o ano inteiro. E tem o seguinte: não quer esse valor, pode dizer. Lá fora tem uma fila esperando a vez.
As gerações futuras do Brasil preocupam você?
Temos jogadores para mais uns 15 anos. Ganhamos tudo, em todas as categorias. Nosso time feminino é jovem, e o masculino é renovado.